Direitos Humanos LGBTQIA+

Direitos Humanos LGBTQIA+

Os Direitos das Pessoas LGBTIA+ como Direitos Humanos ocorreu após a criação da ONU, com o fim da Segunda Guerra Mundial, momento da universalização dos Direitos Humanos, porém, como forma de manter soberania nacional, alguns teóricos acreditam que os Direitos Humanos devem ser empregados considerando o entendimento cultural de cada localidade, de forma a relativizar culturas onde estes direitos são violados.

Tal teoria veio a ser rebatida com a Declaração de Viena sobre os Direitos Humanos de 1993, esclarecendo que mesmo ao ser levada em consideração a cultura, religião e história de um Estado, é  dever de todos a proteção dos  direitos humanos e liberdades fundamentais, adotando-se a teoria do forte universalismo, em que os direitos humanos se encontram em posição superior à culturas que possuem práticas degradantes contra a ignidade da vida humana.

Os direitos LGBTI+ começaram a ser reconhecidos como direitos humanos a partir de 1994, com o caso Toonen v. Austrália, em que Nicholas Toonen levantou queixa contra as leis que criminalizavam a prática sexual privada entre pessoas do mesmo sexo como violação ao direito à privacidade, chegando ao Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas que considerou que leis que violem os direitos LGBTI+ violam os direitos humanos.

Em artigo publicado na Revista da Faculdade de Direito, os professores Diogo Bacha e Silva e Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia, pontuaram a respeito das tradições autoritárias antigas que ainda assolam o Brasil,  No que nos toca aqui mais especificamente, tradições conservadoras mal disfarçadas de “positivismo jurídico neutro” (pretensamente neutro) ainda rondam as faculdades de direito e as barras dos tribunais. Pior, contribuem para que o legislativo não tomem posição acerca de questões problemáticas, pois se entende que a omissão do legislador em tomar parte é uma forma de “silêncio eloquente” (atrelado ao princípio da “reserva legal”) que resolve tais questões sem ter de resolvê-las e pretende-se que, assim, também os tribunais delas não possam tratar, fazendo-se letra morta do que a Constituição dispõe acerca da “aplicabilidade imediata” dos Direitos Fundamentais (art. 5º, §2º), do Mandado de Injunção (art. 5º, LXXI) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art. 103, §2º) e também do compromisso da Constituição em dar prevalência aos Direitos Humanos reconhecidos pelo Brasil como componentes do Ordenamento Jurídico (art. 4º, II c/c art. 5º, §§2º e 3º) (SILVA e BAHIA, 2015). 25 5. A Constitucionalidade da Criminalização da LGBTfobia

Falar em criminalização da LGBTfobia, é falar em garantia de direito à vida, direito esse inviolável concordante aos termos do art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988. Quando no Brasil o legislativo se omite em relação à proteçãos dos direitos e da cidadania de pessoas LGBTIA+, age em sentindo contrário à garantia constitucional,  ferindo-se frontalmente o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, elencado em seu art. 1º, III, o direito à não descriminação previsto em seu art. 3º, IV, e o direito à igualdade assegurado no art. 5º, caput.

Para além dos dispositivos acima citados, devemos dar especial atenção ao fato da Constituição trazer explicitamente a prevalência dos direitos humanos, elencado em seu art. 4º, II, como requisito inafastável para as relações internacionais, concretizando assim, que no Brasil vale a universalidade dos Direitos Humanos, sobrepondo-se à cultura e flexibilizando a soberania do Estado para garantir os direitos humanos.

Tendo sido os direitos LGBTI+ reconhecidos pela Organização das Nações Unidas como direitos humanos no ano de 2011, o que resultou em várias recomendações para que países signatários implementem medidas ptotetivas, o Brasil fere sua própria Constituição, e ainda documentos internacionais dos quais é signatário. Devemos observar que no §2º do art. 5º, nossa Carta Magna prevê que Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (BRASIL, 1988).

 

Versões tóxicas da masculinidade e da feminilidade acabam gerando agressões a quem ousa delas se distanciar no seu exercício de direito fundamental e humano ao livre desenvolvimento da personalidade, sob o espantalho moral criado por fundamentalistas religiosos e reacionários morais com referência à chamada ideologia de gênero. (MELLO, 2019)

A falta de respeito e reconhecimento da classe LGBTIA+ tem tornado cada vez mais comum a prática de suicídio de pessoas desse grupo, em sua maioria adolescentes, que no momento da perturbação não possui amparo por parte da sociedade, conforme dados publicados pelo Diário do Nordeste as chances de suicpidio é de 21,5% maior quando o jovem vive em ambiente hostil, já que em muitos casos a violência acontece dentro do próprio seio familiar, fazendo com que a comunidade LGBTIA+ esteja altamente prejudicada, mais que outras classes minoritárias que possuem seu principal pilar de apoio na família.

Segundo dados apresentados pelo Fórum da Diversidade, realizado pela Secretaria da Mulher de Barueri, em novembro de 2016, as chances de um jovem LGBTI+ cometer suicídio é cinco vezes maior que o restante da população nacional.

Decerto, nosso regimento jurídico está todo embasado na proteção à vida, eleito como bem jurídico social mais precioso, porém a omissão do legislativo faz parecer que as vidas LGBTIA+ possuem menor grau de importância que demais minorias, visto que se fosse por vontade dos congressistas ainda estariam sem meio algum de proteção, pois, como cita Jean Willys: As minorias, ao longo desses mandatos, sobretudo as minorias sexuais, ganharam mais espaço, se projetaram mais nos meios de comunicação e conquistaram alguns direitos não por meio do Legislativo, mas do Judiciário. (HUFFPOST, 2018) 29.

Devemos esclarecer ainda que quando a Constituição Federal se propõe a promover o bem de todos sem preconceitos e discriminação, interpretá-la com restrição de determinado grupo com base em um fundamentalismo próprio e não na proteção de vida digna do indivíduo, independente se o interprete concorda ou não com seu estilo de vida, se trata de omissão de direitos fundamentais. Assim, percebe-se que o real problema está caracterizado na segregação por orientação sexual e/ou identidade de gênero, o que se torna mais evidente a cada nova lei de proteção a um determinado grupo socialmente vulnerável. Como também acredita Paulo Iotti, de acordo com sua argumentação no STF, onde o advogado afirmou que “não se pode hierarquizar opressões. Se outras opressões contra grupos vulneráveis são criminalizadas, a opressão contra LGBTIs tem que ser criminalizada da mesma forma” (IOTTI, Sustentação oral, 2019).

A decisão de julgar e condenar criminalmente determinados discursos e práticas de ódio se traduz em uma caracterização política e moral dessas condutas, que passam a ser vistas como injustas e reprováveis, colaborando com a estruturação de relações com tolerância e alteridade. Infelizmente, o direito penal ainda é um horizonte dotado de alto grau de legitimidade em nossa sociedade. (QUINALHA, 2019)

 

Para além disso, devemos entender que a nossa Constituição Federal garante a liberdade de expressão, mas que, para essa liberdade ser legitima, ela não deve ferir os direitos de outrem, portanto, quando a liberdade de expressão ultrapassa os limites do direito de igualdade e diversidade, podendo chegar até mesmo a prejudicar ou tirar o direto à vida de uma pessoa, que é considerado o nosso bem jurídico mais precioso, ela deixa de ser legítima e passa a ser crime de ódio e discriminação.

 

Sobre esse “limite” na liberdade de expressão, que é livre desde que respeite o direito do outro, podemos lembrar do caso do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que fundamentado por essa teoria, condenou quatro indivíduos a pagar multas por discursos de ódio contra homossexuais, em 2012, como lembram Silva e Bahia em seu artigo publicado na Revista da Faculdade de Direito da UFPR em 2015. Ainda, vale ressaltar que a Constituição Federal traz como premissa a soberania popular, assumindo o Estado Democrático de Direito, onde todo poder emana do povo, e este deve ter participação na tomada de decisões que irão afetar diretamente em sua vida, as leis são criadas pelo povo, sendo o povo representado por uma base de governantes que devem possibilitar soluções para os conflitos da sociedade. O Estado Democrático de Direito, por tomar a diversidade popular, dentro dos mais variados seguimentos de partidos políticos, acaba por tornar-se o regime de governo com mais chances de atender às demandas sociais, principalmente quando se trata de reconhecer minorias políticas, já que a população deve participar das tomadas de decisões. Eis a dificuldade que o Estado Democrático de Direito enfrenta no Brasil: a diversidade popular. Se de um lado possuímos uma Constituição Federal que protege 31 e respeita a diversidade, do outro encontramos uma base de representantes políticos dotados de preconceitos que se recusam a aceitar o direito à igualdade. Ainda assim, avanços vêm acontecendo no que se trata de resguardar os direitos dessas minorias e cumprir a constituição, porém quando falamos de direitos LGBTI+ continuamos inertes, e sem repressão os dados de violência têm se tornado cada vez mais alarmantes.

 

Tendo sido os direitos LGBTIA+ reconhecidos pela Organização das Nações Unidas como direitos humanos no ano de 2011, o que resultou em várias recomendações para que os países signatários implementem medidas para a proteção dessa classe, o Brasil encontra-se em discordância com sua própria Constituição, e ainda de documentos internacionais dos quais é signatario. Devemos observar que no §2º do art. 5º, nossa Carta Magna prevê que Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (BRASIL, 1988). Deixando, assim, a ideia de um projeto aberto que deve ser complementado conforme as necessidades de proteção da população. Com relação ao disposto neste artigo, em 2004 foi aprovada a Emenda Constitucional que adicionou ao art. 5 º o §3º que versa sobre os tratados e convenções sobre direitos humanos serem equivalentes à Emendas Constitucionais se forem aprovados pelas duas casas do Congresso, em dois turnos, por dois quintos dos votos de seus respectivos membros. 26 Contudo, como o único tratado ratificado pelo Brasil, pós a Emenda 45 diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência, há uma divergência em como devem ser aplicados os demais tratados, onde o entendimento majoritário acredita que deverão ser tratados como normas infraconstitucionais, conforme decidiu o STF no Julgamento RE 8.004 de 1977, porém, conforme entendimento do Min. Gilmar Mendes, o STF acredita que tenham os Tratados caráter superior às Leis Ordinárias e não supraconstitucional. Corroboramos, aqui, com a ideia de que os Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil têm força supraconstitucional, em acordo ao entendimento de Celso de Albuquerque Mello, de que é dever de todos os ordenamentos jurídicos a garantia dos direitos que protegem a personalidade humana. Observe que, em grande parte dos países europeus a Constituição se submete às decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

 

 

No ano de 2008 a França liderou o grupo que apresentou uma declaração que propunha a descriminalização da homossexualidade no mundo, contrapondo tal proposta a Liga Árabe se posicionou também apresentando uma declaração, onde inclusive relaciona a homossexualidade à pedofilia, na ocasião o Vaticano mostrou-se a favor da descriminalização, porém pôs ressalvas ao texto com relação a identidade de gênero e orientação sexual: A Santa Sé continua a defender que todo sinal de discriminação injusta contra as pessoas homossexuais deve ser evitado, e pede aos Estados que retirem as penalidades legais contra elas. (…). Ao mesmo tempo, a Santa Sé lembra que as palavras dessa declaração vão muito além do que mencionamos acima (SANTA SÉ, 2008). Também no ano de 2008 a Organização dos Estados Americanos aprovou uma declaração que garantia os direitos humanos para LGBTI+. Atualmente, dentro do contexto de direitos humanos, encontramos os direitos LGBTI+, que foram 18 reconhecidos pela ONU na Resolução de nº L.9 do ano de 2011. Onde a Organização implica que os Estados devem proteger todos os direitos das pessoas homossexuais. Resolução, no campo do Direito Interacional, não é instrumento obrigatório, é um ato normativo que para ter força obrigatória deverá ser aceito de forma expressa ou tácita, que é o caso do Brasil com relação a Resolução nº L9, já que este integrava o grupo de Estados que propuseram a Resolução. Nossa Carta Magna traz para o sistema jurídico brasileiro a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II), que somando a aceitação tácita do Brasil ao texto da Resolução da ONU, e ainda considerando os princípios da boa fé e do pacta sunt servanda, que obriga as partes signatárias de um contrato obedecerem ao que nele está expresso, faz com que o Estado tenha o encargo de reconhecer os direitos LGBTI+ como direitos humanos e legislar acerca da proteção dessas pessoas. Ainda no ano de 2011 a ONU divulgou o primeiro relatório com base nos direitos humanos LGBTI+, realizado pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas, que mostrava altos índices de violência relacionados a orientação sexual, o relatório serviu para montar um painel de discussão realizado no Conselho de Direitos Humanos em 2012, sendo essa a primeira vez em que a ONU realizou um debate internacional formal para discutir esse assunto. Com base no estudo, a ONU elencou uma série de violação dos direitos humanos com base na orientação sexual, que como citado em artigo publicado pela United Nations Free and Equal, são: » Ataques violentos, que vão desde abuso verbal agressivo e intimidação psicológica até agressão física, espancamentos, tortura, sequestro e assassinatos seletivos. » Leis discriminatórias, muitas vezes usadas para assediar e punir as pessoas LGBT, incluindo leis que criminalizam relações consensuais de pessoas do mesmo sexo, que violam os direitos à privacidade e à não discriminação. » Cerceamento à liberdade de expressão, restrições ao exercício dos direitos de liberdade de associação e reunião, incluindo as leis que proíbem a divulgação de informações sobre a sexualidade entre pessoas do mesmo sexo, sob o pretexto de restringir a propagação da chamada “propaganda” LGBT. » Tratamento discriminatório, que pode ocorrer de diversas formas diariamente, incluindo locais de trabalho, escolas, lares e hospitais. Sem leis nacionais que proíbam a discriminação por terceiros com base na orientação sexual e na identidade de gênero, estes tratamentos discriminatórios continuam sem controle, deixando poucos recursos para as pessoas afetadas (OHCHR, 2015). 19 Com base nos estudos sobre a violência relacionada à orientação sexual e identidade de gênero, a Organização exige que os Estados protejam a população LGBTI+ conforme o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal assegurados pela Declaração Universal de Direitos Humanos, bem como também deve estar atento para os casos de violação desses direitos para que possa punir quando assim for necessário. O Brasil pouco tem feito para prevenir os casos de violência motivada por orientação sexual, não existe lei que criminalize o crime de ódio contra LGBTI+, nem mesmo um agravante de pena para o caso, apesar de projetos para garantia de proteção LGBTI+ circularem à décadas nas casas legislativas, desobedecendo o que pedem os tratados que faz parte. Sendo assim, é necessário que as leis brasileiras estejam em constante adaptação para proteger a população e assegurar os direitos de cada indivíduo garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e diversos outros acordos interacionais assinados pelo país, que além dos acordos internacionais, são direitos fundamentais resguardados pela nossa Constituição como o direito à vida, liberdade, igualdade e segurança (art. 5º, caput). É certo que se tem vivido uma evolução quando se fala de direitos humanos e proteção dos grupos marginalizados pela sociedade, porém, no Brasil, no tocante a população LGBTI+, o que se vê é uma falta de interesse onde quase não é possível observar os pequenos avanços. 20 4. A LGBTfobia de Agentes Políticos e Autoridades Públicas

 

Ora, no tocante a tratar a homossexualidade como doença, vale ressaltar que, o que se acreditou ser um transtorno mental durante décadas, foi descreditado como 21 tal pela Organização Mundial de Saúde desde 17 de maio de 1990, e mesmo antes, em 1973, já havia sido desconsiderada como transtorno mental pela Associação Americana de Psiquiatria, quando esta a retirou do Manual de Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais. No Brasil, a resolução nº 01 de 1999, do Conselho Federal de Psicologia, que proíbe qualquer tratamento de reversão sexual, uma vez que, segundo entendimento da Organização Mundial de Saúde, “a homossexualidade constitui uma variação natural da sexualidade humana, não podendo ser, portanto, considerada como condição patológica” (OMS, CID nº10, 1990). Em 15 de setembro de 2017, a polêmica decisão judicial do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, que concedia uma liminar onde permitia aos psicólogos oferecer tratamento de reversão sexual, a chamada “cura gay”, deu ênfase ao preconceito contra LGBTI+ existente no Brasil, deixando a oportunidade para aqueles que acusam a homossexualidade de doença fortificarem seus argumentos. À época, muitas pessoas defenderam o posicionamento do juiz afirmando que ele estava apenas estabelecendo o que diz o art. 5º inciso IX, da Constituição Federal que diz ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, texto constitucional usado pelo próprio juiz em sua decisão. Vejamos bem o que está assegurado na Constituição, no que diz respeito ao caso, é a livre expressão da atividade intelectual e científica dos psicólogos e psiquiatras. A atividade destes profissionais é tratar/curar doenças mentais, não sendo a homossexualidade um transtorno mental, a decisão do juiz torna-se equívoca e inconstitucional, diferente do que acreditam aqueles que a defendem. Argumento também usado no Estado brasileiro, que liga a homossexualidade à pedofilia, um dos argumentos usados para determinar o encerramento da exposição do Queermuseu, antes visto. Podemos lembrar aqui do discurso da ex-deputada católica Myriam Rios quando se declarou contrária a PEC 23/2007, que inclui na Constituição do Rio de Janeiro a orientação sexual como direito fundamental. Na ocasião a, então, deputada disse que teria o direito de não contratar uma babá lésbica para suas filhas porque essa poderia praticar pedofilia com as crianças: 22 Eu tenho que ter o direito de não querer um funcionário homossexual na minha empresa, se for da minha vontade. Digamos que eu tenho duas meninas em casa, seja mãe de duas meninas, e resolva contratar uma babá. E essa babá mostra que a orientação sexual dela é de ser lésbica. Se a minha orientação sexual não for essa, for contrária, e eu querer demiti-la, eu não posso. Eu vou estar enquadrada nessa PEC, como preconceituosa e discriminativa. (…). Me dá licença? São os mesmos direitos. Com essa PEC, eu vou ter que manter a babá na minha casa, cuidando das minhas meninas, e sabe Deus, se ela inclusive não vai cometer a pedofilia com elas. E eu não vou poder fazer nada. Eu não vou poder demiti-la (RIOS, 2007, sustentação oral). No discurso de Myrian, enxergamos uma visão deturpada pelo preconceito contra pessoas LGBTI+, que muitas vezes ligam homossexualidade à pedofilia para gerar revolta na sociedade afirmando que os homossexuais querem fazer com que as crianças se tornem, também, homossexuais ou transexuais. Primeiramente devemos deixar claro que orientação sexual nada tem a ver com influências externas, não é uma “opção sexual” ou fato biológico que não há como ser ensinado, não se escolhe por quem sentir atração. Depois devemos pontuar que pedofilia não possui ligação direta ou indireta como homossexualidade ou com a transexualidade, e é algo que pode acontecer em qualquer orientação sexual, mesmo a heterossexualidade, ou identidade de gênero, notadamente a cisgeneridade que inclusive, possui dados absurdos de casos de pedofilia. Um pouco mais corriqueiro que considerar a homossexualidade doença, ou mesmo sendo a causa de todas as outras teorias, encontra-se a discriminação do ponto de vista fundamentalista radical religioso, que considera a homossexualidade uma aberração da natureza, conforme vemos nas Constituições Primeiras do Arcebispo da Bahia, de 1707, que dizia ser a sodomia o mais sujo de todos os pecados, e que por causa dele, Deus envia à Terra todas as calamidades. Porém, como cita Patrícia Gorisch: No pensamento do século XX, o ser humano não está só, vive em sociedade e está imerso nessa teia cultural, política e religiosa. Teias essas que muitas vezes se entrelaçam e dão um nó, às vezes difícil de desatar (GORISCH, 2015). 23 No Brasil, essa teoria religiosa, sempre muito forte culturalmente, tem se tornado a maior ameaça contra os direitos LGBTIA+, uma vez que nosso governo está sendo cada dia mais composto por esses religiosos fundamentalistas raidicais, que ignoram a laicidade do nosso Estado, sendo o maior fator de impedimento de leis que protejam e defendam esses direitos. Enquanto Patrícia continua dizendo que: Devemos ainda fazer a seguinte reflexão: a cultura é mais importante que a vida humana plena? Ficamos com o ser humano ou a cultura? Muitas culturas defendidas pelos relativistas são retrogradas, de centenas de anos. A sociedade evolui e, com ela, a cultura tem que acompanhar (GORISCH, 2015). A base fundamentalista religiosa nacional, em grande maioria cristã neopentecostal radical, é um grande empecilho para a evolução cultural, sabendo que ela prejudica mesmo a laicidade do Estado, incitado o ódio à outras religiões, ainda usam as escrituras bíblicas para destilar de forma incessante o ódio contra LGBTIA+, muitas vezes até incitando o linchamento, ou o extermínio deste grupo. É evidente o fato de que nosso legislativo não compreendeu que seu papel é de representar democraticamente o pluralismo social, e garantir que os direitos constitucionais torne-se real para cada indivíduo dentro da nossa sociedade democrática, independente se concorda ou não com o estilo de vida de determinado membro social, nossos legisladores, incluindo a bancada religiosa, ainda o representam, e devem garantir-lhe sua dignidade.

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